CUIDADOR PODE SER ORIENTADO PELO FISIOTERAPEUTA?
A FUNÇÃO DIALÓGICA DO FISIOTERAPEUTA VOLTADA PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE DO ACOMPANHANTE DO PACIENTE HOSPITALIZADO.
RESUMO
O acompanhante do paciente hospitalizado há muito, já faz parte do contexto hospitalar. Por seu investimento emocional e físico, surge uma necessidade iminente de se buscar estratégias que também promovam a sua saúde. Assim, o presente estudo teve como objetivo identificar a importância da prática de um “cuidado comunicativo-dialógico” do fisioterapeuta junto ao acompanhante do paciente hospitalizado, e identificar suas possíveis repercussões na humanização do cuidado no ambiente hospitalar. Para tal utilizou-se como campo de estudo, um hospital público do interior da Bahia, onde foram entrevistados seis fisioterapeutas que atendiam ao critério de ter alguma atuação (assistência ou docência) no referido campo. Dentre os principais resultados, podemos destacar, que os informantes sinalizaram a possibilidade do acompanhante recuperar sua autoconfiança no cuidado com o próximo, possibilitando uma instrumentalização do acompanhante, formando um cuidador, sendo assim, a função dialógica do fisioterapeuta emerge como uma estratégia a ser potencializada.
1 - INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea, chamada sociedade da comunicação, está criando, contraditoriamente, cada vez mais incomunicação e solidão entre as pessoas (BOFF, 2001). Dentro dessa perspectiva, percebe-se que algumas relações interpessoais dentro do sistema de saúde, principalmente no ambiente hospitalar, vêm experienciando essa situação de incomunicabilidade.
O termo saúde advém de salute, palavra de origem latina, que significa salvação, conservação da vida e vem assumindo significados muito diferentes nos últimos tempos, pois, a concepção de saúde não pode ser compreendida de maneira isolada. A saúde pode ser vista de diversas formas, sendo que a visão reducionista se restringe à relação entre um provável candidato à doente e o agente causador. Ao se ampliar o entendimento das relações entre o indivíduo e o meio ambiente, a condição de saúde ou doença passa a ser interpretada de maneira mais complexa (BRASIL, SEF/MEC, 1998). Sendo assim, o processo de adoecimento do ser humano é visto, ou pelo menos deve ser visto, como parte de um contexto amplo e multideterminado. E, é por conta destas novas concepções que o mundo se reposiciona sobre um novo conceito, o de promoção da saúde, e porque não dizer um resgate do cuidado humano.
O processo de adoecimento se dá devido a diversas variáveis, no entanto pode se esquematizar: (doença x condições favoráveis à sua instalação), aonde essas condições vão desde o nível fisiológico, passando por um contexto psicológico e sócio-econômico. Para compreender a doença é necessário interessar-se pela totalidade da vida do paciente, isso, segundo VOLICH (2000), que diz ainda: “... inclinando-se para ouvi-lo e para examiná-lo", o que segundo ele é um significado de reverência e respeito para com o ser enfermo.
Nesse sentido, apontamos o adoecimento de um membro da família ou de um amigo próximo, que se constitui em um impacto muito grande e inesperado. Existe uma preocupação acerca dos riscos da enfermidade, contas médicas e hospitalares, custos com serviços de diagnósticos e terapêuticos, a preocupação com o tempo de internação, sendo que a própria hospitalização, muitas vezes, é um processo difícil e doloroso, tanto para o paciente, quanto para os mais próximos, fazendo com que o paciente e as pessoas que o acompanha, se encontrem num ambiente tenso, frio, muitas vezes, impessoal, caracterizando isso cognitivamente como uma ameaça (QUEIROZ e SANDOVAL, 2003). Nesse contexto, repensamos a integridade da prática do cuidar, evidenciando o acompanhante do paciente hospitalizado - componente fundamental da cotidianidade hospitalar.
Esse componente, segundo vários estudos, vem adoecendo, sendo a falta de informação uma das principais causas. Quando a pessoa está internada, sua internação tem muitos significados para ela e para sua família. Enquanto estava em sua casa, sua assistência e as responsabilidades, recaiam, provavelmente, nos outros membros da família. Depois de ser hospitalizada, as responsabilidades por sua assistência é transferida para o pessoal do hospital (DU GAS, 1986). Ainda segundo a autora, essa transferência de responsabilidades produz sensações mistas de alivio e culpa, por parte do familiar; alívio porque as pessoas treinadas proporcionam assistência profissional, e culpa, talvez porque os membros da família sentem que o paciente estaria mais feliz em casa, ou por haverem transferido as responsabilidades que deveriam aceitar como familiares.
Além dos aspectos supracitados, acrescentamos “o saber se relacionar” e o respeito pelo o outro, que segundo os informantes da pesquisa, é deixado aquém dentro das profissões da “área de saúde”. Existe uma distância muito grande entre o profissional e o paciente, já acrescemos nessa situação a figura do acompanhante, que muitas vezes chega a ser ignorado, não só pelo profissional, como pela instituição. Sendo assim, se torna impossível trabalhar no maior sentido da palavra cuidar, vez que esse aspecto do não se relacionar, remete a uma situação, ou comportamento, de não cuidado, em concordância com (VOLICH, 2000: 2444), quando diz:
Assim, o cuidado pressupõe um exercício permanente de liberdade, que permita ao cuidador entrar em contato com as sensações, fantasias e emoções do outro e também com aquelas pessoas mobilizadas em si pelo paciente (...).
O cuidado fisioterapêutico, nessa perspectiva de humanização dos atendimentos em saúde e de promoção do bem estar, vem, a cada dia, ocupando maiores espaços e conquistando maior relevância e reconhecimento social, percebendo-se com clareza que o fisioterapeuta pode desempenhar importantes funções dentro desse contexto. Assim, o presente estudo teve como objetivo identificar a importância da prática de um “cuidado comunicativo-dialógico” do fisioterapeuta junto ao acompanhante do paciente hospitalizado, e identificar suas possíveis repercussões na humanização do cuidado no ambiente hospitalar.
Quando SILVA (2000:272) se pergunta: "o que significa cuidar?", apóia-se em BOFF (1999) dizendo: "O cuidado somente emerge quando nos preocupamos com alguém, quando a sua existência é importante. Sintonizamo-nos nos seus valores, nas suas buscas, nos sucessos e sofrimentos, enfim, participamos de sua vida e, portanto, cuidamos”. Nesse sentido, SILVA (2000:272) ainda complementa dizendo que: "cuidar envolve relações subjetivas e objetivas, que escapam de lógicas racionais e imensuráveis". Ou seja, é um sentimento/ação, que requer atenção, é um estar presente. Dentro dessa reflexão, e segundo, GIMENES (2000:306), quando diz que "Cuidar é servir; é oferecer ao outro em forma de serviço, o resultado de nossos talentos, preparo e escolhas... manifestar-se pelo que há de melhor em si", é que se torna extremamente interessante perceber as multifaces desse ato nobre e poético que é o cuidar.
Cuidar é uma daquelas palavras que desafia a definição do dicionário, tornou-se mais conhecida nos últimos 20 anos, sendo praticamente sinônimo de hospice, que na sua essência é algo que vai além das técnicas, habilidades ou treinamentos, é algo que envolve a pessoa do cuidador num relacionamento criativo com a pessoa cuidada (CONNOR, 2000).
Historicamente, o cuidado surge com o sentido da afeição, preocupação, assim como, com o sentido de responsabilidade pelas pessoas necessitadas, sendo inerente á humanidade.
Alguns estudiosos derivam a palavra cuidado do latim cura. Essa palavra é sinônimo erudito de cuidado (...). Na sua forma mais antiga, cura em latim era usada num contexto de relação de amor e amizade (...). Outros derivam cuidado de cogitare-cogitatus, cujo sentido é o mesmo de cura: cogitar, pensar, colocar em atenção, mostrar interesse, desvelo e preocupação (PESSINI, 2000:236).
Diante disso, o envolvimento com o ser semelhante, é um aspecto intrínseco à própria etiologia do cuidado. É interessante notar que cuidar não necessariamente significa curar, mais sim, dispender atenção, estar próximo. O que nos leva a interpretar, que não existe seres “incuidáveis”.
O sentimento de cuidado surge atrelado às ameaças de segurança, de doença, sendo que o cuidador se dedica a prover, além de atenção e afeto, o conforto e demais atividades que possibilitem o bem-estar, a restauração do corpo e da alma, bem como da dignidade. Sendo assim, o cuidado deveria ser um imperativo moral, principalmente entre as profissões de saúde WALDOW (2001). E ainda segundo a mesma “O pluralismo, a diversidade, a interdisciplinaridade, são algumas tônicas para o novo milênio, entre essas, também o resgate do cuidado humano” (WALDOW, 2001:62).
Nos diferentes momentos da história, as influências sociais existentes norteiam, e nortearam as “ações de saúde”. Ou seja, é a própria influência social que determina a criação, o aperfeiçoamento e a legitimação das profissões em diferentes períodos. O conhecimento científico da humanidade na época atual e as novas concepções em saúde, remetem à uma atuação em nível primário de assistência/cuidado ao individuo. A fisioterapia não foge dessa tônica, pois a multicausalidade intrínseca num fenômeno de adoecimento, não mais permite, pelo menos teoricamente, uma visão apenas tecnicista, ou apenas baseada em conceitos biológicos. Diante disso, e inspirados em SILVA (1996) que cita BEBB (1996), podemos dizer que a comunicação é parte do tratamento do paciente, e ficar conversando com ele, muitas vezes é o próprio remédio.
Uma comunicação, que segundo BORDENAVE (1995) é a forma que o ser vivo tem de se relacionar e interagir. Comunicar-se é viver, um processo tão natural como respirar, beber água ou caminhar. A comunicação é a força que dinamiza a vida das pessoas e sociedade. Assim, SILVA (1994) ainda aponta que:
A incapacidade de comunicar com as palavras ou seus pensamentos faz com que essa pessoa “fale” com a “linguagem dos órgãos”, ou seja, o adoecer de um determinado órgão é a forma inconsciente do indivíduo de proclamar seu sofrimento, por não conseguir fazê-lo de outra forma.
O autor nos mostra um aspecto fundamental dentro das relações interpessoais no ambiente hospitalar, onde a “medicalização” e a visão tecnicista muitas vezes predominam. O diálogo, que segundo FRITZEM (1987:49) “é uma comunicação que tem por finalidade o descobrimento de uma verdade importante para o crescimento pessoal e a vida dos indivíduos que dialogam”, vem nos mostrar que comunicação/dialogo são aspectos integrantes do cuidar.
O termo terapêutico, que deriva do grego therapéuo, significa "eu cuido". Conforme PESSINI (2000: 236) "Na Grécia antiga, o thérapueter era aquele que se colocava junto àquele que sofre, que compartilha da experiência da doença (...) Para só então, mobilizar seus conhecimentos”. Sendo assim, fisioterapia e o cuidado, estão associados, pois o contato, a atenção, a comunicação, são premissas básicas para o processo de tratar em fisioterapia, são também, na nossa concepção, sinônimos de cuidado. Ao lidar com traumatismos e com doenças incapacitantes, o fisioterapeuta se posiciona como um profissional de linha de frente. Comumente, o paciente passará mais tempo e estará mais intimamente envolvido com determinado fisioterapeuta do que com a maioria dos profissionais de saúde (SULLIVAN e SCHMITZ 1993).
O próprio dinamismo da natureza humana impõe ao profissional fisioterapeuta, uma prática criteriosa da atenção à saúde, dinamismo esse que é influenciado por fatores sociais, culturais, emocionais e fisiológicos, por isso não é preciso somente conhecer a doença, mais sim conhecer o ser humano.
O homem não deseja adoecer, antes um ser que contribuía ativamente para a sociedade, agora numa posição de extrema dependência. Desta forma, ao ser hospitalizado deve ter sua identidade respeitada e ser ouvido em suas queixas, e para isso precisa encontrar relações saudáveis nesse ambiente, pois assim o paciente torna-se mais independente, dono de si mesmo, consciente de seus direitos e podendo reivindicá-los.
O acompanhante do paciente hospitalizado convive com toda essa situação antes e durante o processo de adoecimento e de hospitalização do paciente, tentando remediá-la, sem contar, que também vive agora, um processo adaptativo, e com uma sensação de ansiedade e de impotência. Sendo que adaptação é um processo dinâmico e constante na vida dos seres humanos.
A não adaptação, ou o tempo necessário para o individuo se adaptar, pode estar diretamente influenciando todo um equilíbrio fisiológico e/ou psicológico da pessoa, causando o estresse. A adaptação positiva ou bem sucedida á uma nova realidade, ou à um estressor, representa saúde, sendo que a não adaptação, ou o insucesso adaptativo, acarreta a doença (BRUNNER e SUDDARTH, 1990). Como dito anteriormente, o estado de saúde ou de doença, é relativo, sendo assim concordamos, pois, sendo cada ser, em bases de respostas fisiológicas e psicológicas, diferente, seu organismo impõe seus próprios limites ao processo de adaptação.
A resposta a um estressor é coordenada por estruturas cerebrais e pode ser um processo consciente ou inconsciente, destacando num estado generalizado de ansiedade, envolvendo a ativação psiconeuroendócrina. Se após a formação inicial do quadro a pessoa for bem sucedida na sua atividade, ocorrerá adaptação, caso contrário, pode haver um padrão de desenvolvimento de resposta má adaptação, podendo ocorrer as doenças chamadas de doenças de adaptação. Sendo este também, um período em que a pessoa estará vulnerável a outros estressores (BRUNNER e SUDDARTH, 1990)
Sendo assim, "Garantir um vínculo de aproximação entre a família e o profissional é fundamental para o cuidado ao paciente e à manutenção dos vínculos relacionais deste" CREUTZEBERG (2000:299).
Trata-se de uma pesquisa tipo qualitativa, cujo campo de estudo, conforme (MINAYO, 1993:105) é o recorte espacial que corresponde à abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico correspondente ao objeto da investigação. Sendo assim, o recorte espacial desta pesquisa teve seu ponto de origem em torno da realidade vivida pelos acompanhantes de paciente hospitalizados, num hospital Geral público do interior da Bahia.
Foram entrevistados sete fisioterapeutas, dos quais seis atendiam ao critério de serem profissionais com alguma atuação (assistência ou docência) no referido hospital, sendo três do sexo masculino, e 3 do sexo feminino, a faixa etária girou entre 31 e 50 anos, o tempo de atuação entre 8 e 26 anos. As áreas de atuação oscilaram entre a docência, UTI, hospitalar e ambulatorial, Saúde Pública e Cardiologia. Os Profissionais apresentavam pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior, Psicomotricidade, Gerontologia, Comunicação em Saúde, um Mestrando em Saúde Publica, sendo somente um dos informantes era apenas graduado. Utilizou-se, como instrumento de coleta de informações uma entrevista semi-estruturada.
A coleta dos dados se deu após os trâmites legais para a aprovação do trabalho pela Universidade, e preparação dos instrumentos de pesquisas (gravador, caneta, papel, "paciência e atenção"). Além disso, foi assinado pelos informantes, um termo de consentimento, conforme a resolução 196/96 do Ministério da Saúde.
"Ajuda" foi o principal significado atribuído, pelos informantes, ao ato de acompanhar um paciente hospitalizado. Uma relação de ajuda, entendida como um “propiciar de beneficio” que: “Sempre é estabelecida entre um indivíduo em estado de mal estar e um outro que tem a posse de meios e da competência necessária para aliviar a situação de mal estar do primeiro” (MEMBRIANI, 1996:61).
Percebeu-se que os profissionais reconhecem a importância do acompanhante no contexto hospitalar, dizendo que o acompanhante favorece a melhoria e uma melhor estadia do paciente nesse ambiente, conforme depoimento: "favorece uma melhor recuperação do paciente". Sendo visto como um facilitador do processo de recuperação e, até, de adaptação do paciente com o novo contexto, o que é de fundamental importância para o sucesso do tratamento.
Dentro dessa discussão, verificamos a importância de se estabelecer um vínculo comunicativo fisioterapeuta/acompanhante, o que determina uma importante função desse profissional no ambiente hospitalar - a função dialógica do fisioterapeuta, uma relação edu-comunicativa que se estabelece, proporcionando a aquisição de habilidades, permitindo a expressão e o desenvolvimento do potencial humano, pois segundo os informantes: "deve-se orientar, pois ninguém está preparado para a doença"; "É muito importante se discutir, pois estamos falando de fisioterapia como prevenção, estamos capacitando, multiplicando informações, cidadania, estamos trabalhando do ponto de vista de vigilância a saúde, uma reviravolta nas políticas de saúde..."; “...o intuito é a melhora do paciente, e acaba-se deixando o acompanhante adoecer, não estamos cumprindo o nosso papel!”.
Percebe-se dois aspectos bem distintos:
- Quatro informantes sinalizaram, em suas respostas, a importância de uma prática humanizada fisioterapeuta-acompanhante: "primar pela saúde, respeito, atenção orientação...”; "Devemos nos apresentar de maneira bem sutil, evitar uso de terminologias e de termos estigmatizantes, temos que conversar de maneira mais amena, demonstrando aproximação"; "fazer o acompanhante perceber que ele é necessário e importante, pois sendo ele um acompanhante ativo, eliminaria o sentimento de impotência, e quem ganha é o paciente"; "Se preocupam com o estabelecimento de horários, falta o olhar, o respeito (...) generalizando, os profissionais não reconhecem a figura do acompanhante!".
- Dois informantes demonstraram um aspecto interessante a ser discutido, comentando: "Quem paga por isso?”.
O primeiro aspecto se apóia em todo um contexto de promoção da saúde, e no próprio conceito de cuidar. Percebe-se, pelos depoimentos, que não devemos diminuir o potencial de um indivíduo, ou seja, fazer com que ele se sinta impotente frente à situação nova em que se encontra, a definição limitada do potencial de uma pessoa pode se tornar compulsiva, os indivíduos podem aceitar o próprio sistema de crenças de outros, e formular uma definição genérica de si REMEN (1993). Uma doença desencadeia muitos problemas para os pacientes e suas famílias. Os profissionais de saúde se comunicam com eles para identificar necessidade de saúde, esclarecer conceitos errôneos e ajuda-los a verbalizar os medos e outras reações (BRUNNER e SUDDARTH, 1999)
O outro aspecto percebido pode ser bem definido em: "O que pode ser considerado como imoral do ponto de vista ético, pode não ser considerado do ponto de vista político (SUNG e SILVA: 1995), que mostra bem a dimensão da resposta “Quem paga por isso?”. Ou seja, e a ética profissional? Quem paga por isso é o próprio acompanhante e o paciente, que continuam com suas “fomes” de cuidado insaciadas! É uma realidade não discutida devido a "simples" questões financeiras, não estando com isso, querendo tirar a responsabilidade governamental e das instituições, em pagar os devidos honorários aos profissionais que prestam serviços no ambiente hospitalar, mais sim, mostrar a responsabilidade desses profissionais em relação ao tema discutido, simplesmente ignorar não adianta, não é moral, não é ético.
E inspirado nessa discussão, podemos nos “debruçar” na opinião dos informantes:
"Deve existir uma orientação para o acompanhante se tornar cuidador (...) em comunitária esse acompanhante é um cuidador, ele é imprescindível, ele é quem faz quase todos os procedimentos. No hospital ninguém vê o acompanhante como um cuidador, nem como um aliado, um acompanhante mal informado, pode ser prejudicial".
"o fisioterapeuta pode orientá-lo, principalmente, porque só é possível atender o paciente a cada 24 horas, e o acompanhante pode estar executando manobras simples... ele é muito importante na recuperação do paciente".
Segundo Leonardo Boff, cuidado é amor, carinho, compartilhar, você dispende atenção e recebe algo em troca... o fisioterapeuta tem espaço para mostrar o que é cuidado para um acompanhante, bem como os seus limites, trazendo para o processo de recuperação do paciente, não o deixando à margem, fazendo-o sentir-se necessário, tudo isso através de informação, orientação, comunicação e compreensão”.
Se o fisioterapeuta cuidar, ele é um paciente, quem paga por isso”?
Se houver profissionais suficientes? No entanto quem pagaria por isso? Mais é muito importante se discutir essa questão".
A necessidade de um “cuidado comunicativo-dialógico” do fisioterapeuta junto ao acompanhante do paciente hospitalizado é percebido, e segundo alguns informantes: "o fisioterapeuta pode lançar mão da comunicação para informá-lo"; "Um acompanhante bem orientado pode trazer grandes benefícios para o paciente”; "Deve-se passar confiança, informação”; "Nunca havia pensado nisso...!”. Percebe-se, nas respostas, as possíveis repercussões na humanização do cuidado no ambiente hospitalar, e uma necessidade de discussão sobre o assunto, que muitas vezes é desconhecido. Podemos destacar, que os informantes sinalizaram a possibilidade do acompanhante recuperar sua autoconfiança no cuidado com o próximo, possibilitando uma instrumentalização desse acompanhante, formando um cuidador, ou seja, a função dialógica do fisioterapeuta emerge como estratégia a ser potencializado cada dia mais, no sentido de promover a saúde e a humanização do cuidado.
Nas respostas desse questionamento percebe-se, ainda, uma função edu-comunicativa do fisioterapeuta. O fisioterapeuta como um capacitador, conforme os comentários dos informantes: “trazer o acompanhante para perto”, “mostrar a sua importância”; “torná-lo um aliado”; “(...) a doença é de longa duração, deve-se fazer uma capacitação desse futuro cuidador.”; “o fisioterapeuta deve conhecer a realidade da pessoa, deve-se intervir nesse processo, orientar...". Essa atitude torna-se uma função preventiva, já que estaríamos diminuindo o sentimento de impotência desse acompanhante, fazendo ele se sentir útil, evitando complicações emocionais, como o estresse. Percebe-se, assim, o fisioterapeuta com um instrumento muito poderoso, a comunicação.
É nesse momento, a doença, que muitas vezes perguntamos o "porquê", isso nos leva a uma introspecção, mudança de hábitos, novas doenças incitam a ciência, estimulam a humanidade a buscar mais, estimula uma autorresponsabilidade, é um aprendizado em lidar com o outro. No entanto, o lado negativo da doença geralmente se sobrepõe, tanto para família, quanto para os pacientes, o que faz da doença um terrível momento a ser superado, colocando de um lado os cidadãos e do outro lado, as políticas de atenção à saúde.
O fazer aprender e o aprender, são dois pontos que se encaixam nessa discussão. O fisioterapeuta tem a capacidade de instrumentalizar o acompanhante (alguém próximo e que está junto ao paciente), formando um cuidador (alguém próximo, que está junto ao paciente e é capaz de ajudar).
A habilidade de aprender algo valioso através da experiência, parece ser uma capacidade humana, natural e inata. Os períodos de crise, como os de uma doença, parecem particularmente ricos nesse potencial, e o ganho subjetivo de compreensão, sabedoria, insight e compaixão, que talvez resultem dessa experiência, podem finalmente se integrar a nossa vida diária e nos enriquecer (REMEN, 1993:99).
Outro fator a ser considerado seria o incentivo ao autocuidado, e autopromoção da saúde, ensinando e dando um suporte para o acompanhante se relacionar com a nova situação (doença), e com o novo ambiente (hospital). Além disso, a instrumentalização desse acompanhante, poderia aliá-lo como um cuidador dentro de um ambiente hospitalar, um ambiente que sofre com a alta demanda, e dispensa de poucos profissionais para tal, tornando o atendimento mais humano.
A presença da família, que é requerida pelo paciente, passa a expressar uma necessidade de segurança emocional, a magnitude e a complexidade do problema, e a assistência participativa da família ao paciente hospitalizado deve ser otimizada, sendo uma necessidade, uma obrigação (PINHEIRO e SANTOS, 2003).
A dimensão desse cuidado fisioterapêutico iria muito além dos muros de um hospital, não ficaria restringido a esse período, muitas vezes momentâneo, que é a doença. Um acompanhante, nesse sentido, sairia do hospital enriquecido de novas informações, aprenderia a lidar com o período de doença, aprenderia a se cuidar, entende-se que, segundo um dos informantes: “A relação fisioterapeuta-paciente, deve ser estendida para a relação fisioterapeuta-família-comunidade, uma relação mais horizontal, evitando a verticalidade”. Conforme os depoimentos:
<!--[if !supportLists]-->- <!--[endif]-->"Eu acho interessante, se o acompanhante é o cuidador no ambiente hospitalar, e vai continuar cuidando em casa...o fisioterapeuta tem uma função de educar, mostrar a melhor forma dele cuidar, é muito importante essa intervenção".
<!--[if !supportLists]-->- <!--[endif]-->"(...) principalmente quando não é um paciente colaborativo, devemos fazer uso da figura do acompanhante, ele é quem está próximo, tento conversar(...)”.
<!--[if !supportLists]-->- <!--[endif]-->"Tenho experiência como acompanhante de um paciente (...) É estar presente, ao lado do paciente, podendo contribuir para sua melhora, ajudando em suas necessidades mais básicas, e até mesmo complexas, não necessariamente tem que ser alguém da família, é alguém próximo, que esteja disponível, é aquele que prover meios para auxiliar nas novas necessidades da pessoa doente".
A família, nesse sentido, é uma variável importante dentro do contexto hospitalar, sendo que sua presença e carinho são fundamentais, e a equipe de saúde deve estar atenta, esclarecendo, informando e dando apoio, assim haverá uma grande ajuda ao ser cuidado. O contrário dessa situação, pode se dar, através de um familiar/acompanhante ansioso em função do estado de saúde do paciente, ou pela própria falta de informação e atenção, podendo provocar reações negativas, sendo que a “família necessita de cuidado, e pode através de seu comportamento, estar expressando isso” (WALDOW, 2001;155).
6. 3 - Existe a preocupação por parte da equipe de saúde, em relação ao bem estar e a importância de se ter um acompanhante no hospital?
Esse aspecto se torna interessante, à medida que percebemos a importância do acompanhante. No entanto, devemos perceber, se aos “olhos da instituição” isso acontece, e conforme os informantes:
"O próprio sistema de acompanhamento, que as instituições utilizam, são desfavoráveis, se preocupam com o estabelecimento de horários, falta o olhar, o respeito. Generalizando, os profissionais não reconhecem a figura do acompanhante, isso vem da própria formação, tanto acadêmica, quanto doméstica... uma formação que geralmente visa estatus , visa o material, e em segundo plano os valores espirituais, não se vê o indivíduo como um todo. Se vê patologia, procedimentos".
7 - UM PONTO E VÍRGULA...
O profissional fisioterapeuta é alguém detentor de conhecimentos científicos próprios de sua profissão, o que lhe dá uma autonomia e uma responsabilidade muito grande. É alguém que não pode se omitir frente a aspectos inerentes à saúde do indivíduo.
Em nosso caminhar, percebemos, por todos os entrevistados, a precariedade dos serviços públicos de saúde. Não estamos falando da parte infra-estrutural apenas, mas precariedade no sentido mais paradoxal possível, um ambiente de tratamento, que se torna um foco de patologias emocionais e fisiológicas; acabando por afetar a relação profissional de saúde e paciente, e, também, a relação profissional de saúde-acompanhante, tudo isso devido aos “ruídos” comunicacionais existentes.
O que ficou de mais concreto nesse estudo foram as palavras prevenção e educação. Segundo a interpretação dos resultados, com atitudes simples, tais como conversar, orientar, pode-se estar protegendo a saúde física e mental do acompanhante, bem como, ensinar o acompanhante a lidar com o período da doença. Junto a isso, veio a diminuição do tempo de permanência do acompanhante e do paciente, no ambiente hospitalar, pois, segundo os informantes, um acompanhante bem orientado pode trazer melhoras significativas ao paciente, sendo também um aliado para os profissionais, e não mais um reagente, um ser que atrapalha. Situação essa, que proporcionaria um retorno mais tranqüilo para casa, tendo em vista que o acompanhante estaria mais apto para cuidar desse paciente, o que evitaria um eventual retorno para a instituição hospitalar.
A condição de acompanhar um paciente hospitalizado é uma função de extrema importância, desgastante, e que possui um valor altamente desvalorizado aos "olhos" da instituição e dos profissionais do hospital, mesmo esses tendo consciência de sua importância. Função que poderia trazer um ganho subjetivo e de experiência com as práticas do cuidar, tanto durante, como após o processo de hospitalização.
E dentro de tudo isso, o retorno social, no que se refere a hospitalização, doença, e o processo de cuidar/acompanhar, seria de um ganho imensurável, tanto para a sociedade, refletida em cada um dos 124 milhões de usuários do SUS, como para o estado, que além de cumprir o seu dever e propiciar o direito do cidadão a uma saúde pública e de qualidade, diminuiria ônus futuros com um eventual cuidado á saúde deste, que atualmente, é um simples e ao mesmo tempo um complexo ser, o acompanhante-companheiro-cuidador. Colaborando, assim com a valorização da família no ambiente hospitalar, e com a mudança do relacionamento dos acompanhantes com os serviços de saúde.
Tornar humanizado o processo de acompanhar, promovendo a saúde do acompanhante e do paciente hospitalizado, é uma maneira de primar pela saúde do indivíduo, bem como criar um aliado na recuperação do paciente, passar de um mero espectador á um companheiro, que instrumentalizado é um cuidador em potencial, e tudo isso através de simples atos, como o de dialogar.